O leninismo e o fazer revolucionário – I

O leninismo e o fazer revolucionário – I

O que é o leninismo? Trata-se realmente de uma teoria-prática detentora de atualidade concreta? Qual o seu lugar entre as exigências de uma ação política revolucionária dirigida à destruição do capitalismo e à instalação de um estado-sociedade socialista? Responder a estas e outras questões a respeito do pensamento leninista e suas propostas é a tarefa que o Movimento Marxista 5 de Maio-MM5 pretende cumprir nesta série de dois textos aqui em nosso site, como também no Conexão MM5, cuja primeira live sobre o tema já foi divulgada dia 28/1, na 22ª edição do programa. Estamos plenamente cientes da nossa incapacidade de dar conta de tal tarefa a contento, dada sua gigantesca dimensão, contraposta às nossas próprias limitações teórico-políticas, mesmo que não se possa hoje identificar na esquerda – brasileira e mundial – nenhum partido, organização, movimento ou grupo capaz de demonstrar de forma efetiva a compreensão teórica e prática do leninismo. Mas não podemos, não temos o direito, de fugir a esta tarefa inadiável, já que declaramos desde agora nossa convicção de ser absolutamente impensável sequer imaginar uma revolução proletária no mundo que não sustentada no leninismo.

Como ponto de partida, uma conceituação básica: o leninismo é a tradução prática e concreta do marxismo original para a ação revolucionária. Que, portanto, não se diga marxista quem não adota o leninismo. De igual modo, não se diga leninista quem não for marxista. Uma obviedade varrida costumeiramente para debaixo do tapete por reformistas, principalmente os acadêmicos. Falemos, então, de marxismo leninismo, expressão na qual cada uma das partes mantém sua identidade histórica própria, ganhando no entanto a necessária concreticidade política revolucionária quando justapostas. Entenda-se, pois, marxismo quando falamos leninismo e, de igual modo, que se entenda leninismo quando falamos marxismo. É neste sentido que se deve tomar a formulação de Lênin de que “sem teoria revolucionária não há movimento revolucionário”, sabendo-se, é claro, que não se alude aqui a uma teoria qualquer nem a um movimento qualquer. Há, desde tempos os mais remotos, montanhas de teorias “socialistas” espalhadas pelo mundo. Não é de tais fantasias que estamos falando.

É impossível hierarquizar as proposições formuladas por Vladimir Ilich Ulianov-Lênin, dada a relação de interdependência essencial entre as mesmas. Uma formulação não tem sentido sem as demais. É disso que se trata quando de um uso rigoroso da palavra práxis, que no marxismo leninismo expressa a indissolubilidade entre a teoria e a prática revolucionárias. Destacamos neste primeiro artigo algumas categorias leninistas, sem a intenção, repetimos, de hierarquizá-las.

O leninismo é essencialmente antirreformista. Ponto. À pergunta de como se erguer uma sociedade socialista a partir de uma formação social capitalista, Lênin só tinha uma resposta: através de uma revolução, não de reformas. Há um sem número de partidos em todo o mundo que se dizem comunistas e leninistas – no Brasil, por exemplo, poder-se-ia citar pelo menos dois grandes partidos em tal categoria, o PCdoB e o PCB – que jamais explicitam a exigência de uma insurreição proletária, extrainstitucional, pois, como ponto de partida da construção do socialismo, deixando assim portas escancaradas ao reformismo e ao oportunismo populista. O PCdoB já cogita retirar a palavra comunista de seu nome. O PCB adota a estranha estratégia de um tal “Poder Popular”, seja lá o que for isso. Não, não se trata de partidos marxistas leninistas, de partidos rigorosamente comunistas. O comunismo em Marx e em Lênin supõe estratégias revolucionárias, não reformistas, não populistas. Ou se entende isso, ou não se entende nada.

Poderíamos citar vários livros, folhetos e intervenções de Lênin contra o reformismo, mas podemos nos referir aqui apenas a dois deles, somente a título de exemplo: “O Estado e a Revolução” e “O renegado Kautski e a revolução proletária”. Mas é na contraprova do confronto entre a teoria e a prática que se verifica a verdade de uma formulação. E podemos assegurar: toda a militância política de Lênin se deu na esteira do combate ao reformismo. Desde o II Congresso do Partido Operário Socialdemocrata Russo (1903) – quando liderou o segmento do partido que deu origem à ala bolchevique e, posteriormente, ao próprio partido bolchevique – até o momento da tomada do poder, quando os bolcheviques tiveram que travar um duplo combate: contra os mencheviques, que se aliaram à extrema direita, e contra os reformistas no interior do próprio partido, que se opuseram à insurreição proletária do 25 de Outubro. Todo este período foi marcado por uma luta dura e cotidiana contra os reformistas mencheviques, que sempre tiveram em Trotsky um dos seus quadros mais raivosos.

As revoluções acontecem ou as revoluções são feitas? Comecemos aqui pela obra mais conhecida, pelo menos a mais citada, de Lênin, intitulada “Que Fazer?”, em que ele defende firme e irrevogavelmente a teoria marxista da história de que revoluções não acontecem, revoluções são feitas. Marx foi explícito quanto a isso. Tal questão tem sido minimizada ou mesmo excluída nos (poucos) debates acerca da revolução proletária através do mundo, mas é somente a convicção de que as revoluções sociais são feitas que faz emergir a pergunta de quem fará a revolução proletária. E é a partir desta pergunta que Lênin vai formular a teoria do partido revolucionário do proletariado, na qual estabelece que: somente um partido de quadros, de militantes revolucionários profissionais, rigorosamente disciplinados e bem formados é capaz de conduzir o proletariado à insurreição e à tomada do poder. Um partido formado, como propôs Marx, pelo destacamento de vanguarda do proletariado, com forte presença no seio deste proletariado e integrado por aqueles revolucionários profissionais, inclusive os de origem pequeno-burguesa que romperam com esta sua classe originária.

Conhecedor profundo do trabalho e da obra de Marx, do materialismo histórico e do materialismo dialético, Lênin sempre soube que as transformações qualitativas tanto na natureza quanto na história ocorrem em determinados momentos conjunturais e enquanto atos revolucionários, e não enquanto processos. Também sempre soube Lênin, ainda em Marx, que o capitalismo entra inevitavelmente – por sua própria lógica de busca progressiva de lucros maiores – em graves crises cíclicas de tempos em tempos. E que é no interior de tais crises, respeitada a especificidade de cada formação social do sistema mundial capitalista, que a revolução pode e deve ser feita. Também sempre soube Lênin que o capitalismo – na lógica de seu processo de gestação histórica – foi formando suas vanguardas políticas progressivamente mais sofisticadas e capazes de tomar e exercer o poder. Enfim, as revoluções burguesas foram expressões políticas de um poder econômico exercido pela burguesia. No caso das revoluções proletárias, dada sua característica específica de primeira revolução na história feita por uma classe cuja libertação implica a extinção da exploração, o proletariado primeiro precisa tomar o poder político para, a partir daí, destruir as bases econômicas e sociais, ideológicas inclusive, do capitalismo. Também sempre soube Lênin – igualmente importante – que esta consciência revolucionária do proletariado necessária à formação/fortalecimento do partido revolucionário é formada no quadro da crise capitalista, crise econômica mas igualmente política e ideológica. Decisivo: esta crise cíclica geral do capitalismo  – muitíssimo ao contrário das fantasias trotskistas e gramscianas – não é processual nem final. Mas cíclica, repita-se. E, se não é feita a revolução no interior desta crise, no momento agudo, desta crise, o capitalismo se recupera, se revigora, para um novo ciclo de crescimento e de aprofundamento da exploração sobre o proletariado.

É por todas estas considerações que Lênin propôs, defendeu e construiu um partido revolucionário de vanguarda, de quadros profissionais, qualificados politicamente, bem formados – enfim, capazes de fazer a revolução. E que fizeram a revolução!

Venceremos!

No próximo texto buscaremos discutir outros temas do leninismo, como a questão democrática, a filosofia em Lênin, a disciplina partidária e a diferença qualitativa do leninismo frente a correntes como maoísmo, estalinismo, guevarismo e, ainda, o trotskismo e o gramscianismo enquanto expressões do antileninismo.

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