A conjuntura mundial e a revolução proletária

A conjuntura mundial e a revolução proletária

Por conjuntura se entende a correlação de forças entre as classes fundamentais de uma sociedade em determinados tempo e espaço, podendo ocorrer três situações básicas para a luta revolucionária: equilíbrio, defensiva e ofensiva. Este princípio, de aplicação clara e direta em conjunturas largas – como no caso de guerras de libertação nacional, pautadas, como se sabe, pelo fator militar –, pode e deve prevalecer igualmente em conjunturas de duração curta e média. Neste texto nos propomos a abordar a conjuntura longa configurada  a partir da derrota do socialismo dos países do Leste Europeu, União Soviética incluída. Do nosso ponto de vista, tal derrota marca um ponto de virada na conjuntura mundial em que a burguesia abre para si um período de avanço presente até hoje. A burguesia, portanto, vive uma quadra histórica de ofensiva estratégica (considerados pois os tempos médios e longos) do ponto de vista político e ideológico, mesmo que nos últimos 25 anos venha lutando com uma crise econômica de natureza cíclica até agora não superada. É preciso ter sempre claro, em Marx, que mesmo em conjunturas de largo prazo a determinação estrutural dos fatores políticos e ideológicos pelo econômico pode se reverter, principalmente em um quadro de resolução de tal crise.

A preocupação que temos os marxistas leninistas de conhecer a conjuntura como ponto de partida para a fixação de estratégias e táticas revolucionárias responde a uma necessidade mil vezes ressaltada por Lênin de se conhecer a realidade que se pretende revolucionar, sempre tomando por base os princípios do materialismo histórico.

Derrota e defensiva

A destruição da União Soviética e a derrubada do Muro de Berlim pelo imperialismo, enquanto marcos históricos de uma derrota para o proletariado, não podem ser tomadas como autoexplicativas, sequer como fatos isolados. Mas, antes que nada, é preciso refutar a propaganda imperialista de que a derrota da URSS/Leste Europeu teria ocorrido unicamente por uma dinâmica interna inarredável do socialismo. Aliás, é incrível como segmentos da esquerda engolem tal mentira. O que houve foi uma guerra entre dois sistemas, com a vitória do capitalismo no caso concreto. Ninguém compromissado com a verdade vai negar que a chamada Guerra Fria foi muito mais que simplesmente uma guerra fria. Foi, isto sim, uma quentíssima guerra política, militar e ideológica. Que o socialismo europeu cometeu erros graves – o maior deles haver suposto o fim das lutas de classes em seus próprios países, mesmo em presença ainda da pequena burguesia nos mesmos. Na mesma linha, a política de “coexistência pacífica” levada a efeito a partir do kruschovismo na prática escancarou as portas ao imperialismo, ao desenvolver uma estratégia de aliança com a burguesia em todo o mundo. Foi tal tolerância para com os inimigos de classe que, principalmente, determinou esta vitória do imperialismo. Uma vitória que não é nem será eterna – diga-se.

No campo da economia, o imperialismo logrou superar a crise de esgotamento do modelo socialdemocrata de desenvolvimento econômico do pós-II Guerra, que se expressou na crise do petróleo do início dos anos 70 do século passado, através da adoção do modelo neoliberal de reprodução do sistema. Ensaiado no Chile de Pinochet, a instalação do neoliberalismo foi capitaneada pelos Estados Unidos do presidente Ronald Reagan e pela Inglaterra da primeira-ministra Margareth Thatcher. Concretamente, este modelo de acumulação pode ser sintetizado em dois parâmetros gerais: aprofundamento da exploração sobre o proletariado e criação/aperfeiçoamento de mercados de consumo de classe média em praticamente todos os países. Outro vetor importante da política neoliberal, no corpo do abandono do projeto socialdemocrata esgotado de crescimento capitalista, foi a desoneração do estado capitalista, capacitando-o assim a um novo ciclo de financiamento do capital através do endividamento público. Como observara Marx, o capitalismo não sobrevive sem endividamento do estado.

Desgraçadamente a compreensão do neoliberalismo não pode ser limitada ao campo econômico. O crescimento e sofisticação dos mercados de consumo foi acompanhado, como não poderia deixar de ser, do aprofundamento e disseminação a níveis jamais vistos em toda a história do capitalismo de uma ideologia hedonista devastadora, levando o individualismo inerente ao modo de existir capitalista a uma consolidação inclusive no interior do proletariado. Como catalisador de todo o processo neoliberal, os meios de comunicação passam a criar e veicular produtos ideológicos (novelas televisivas, filmes, músicas etc.) plenamente adequados ao seu tempo – todos eles, insista-se, centrados no culto ao individualismo. A ideologia religiosa conservadora, que sofrera forte abalo nas décadas de 50 e 60 do século XX com a Teologia da Libertação e o papado de João XXIII, volta com toda força de um novo tempo medieval a partir do assassinato do papa João Paulo I e posse de João Paulo II, documentadamente agente da CIA. É neste lodo apodrecido que ganha corpo uma nova onda anticomunista até mesmo entre os segmentos da esquerda, que em sua maioria optam, total ou parcialmente, pelo que poderíamos denominar de reformismo no tempo do neoliberalismo, ou seja, o gramscianismo. Sim, falamos aqui do pensamento e das propostas do pensador italiano Antonio Gramsci, transformado em oráculo da pequena burguesia intelectual e política ao propor uma política de acúmulo cultural progressivo e pacífico, mesmo com um incidente aqui e ali, como forma de se alcançar o socialismo. Na prática, uma nova máscara do velho reformismo bernsteineano.

Guerra ao marxismo

É neste quadro tempestuoso que a burguesia e a pequena burguesia se irmanam em uma guerra conjugada contra o marxismo. A ideia, claro, é bloquear o acesso do proletariado à política que pode – a única que pode – levar este proletariado à sua libertação e, por extensão, à libertação da humanidade das garras do capitalismo, à verdadeira liberdade. Marx é difamado como “coisa do século XIX”. Lênin sequer é citado. Como resultado desta guerra santa, o marxismo é literalmente desconhecido até mesmo pela maioria dos segmentos da esquerda, brasileira e mundial, que  desavergonhadamente dizem pautar sua ação pelo pensamento e propostas de Marx e Lênin.

Então, do que se trata é de recuperar o marxismo leninismo como arma de luta do proletariado, arma mais poderosa que qualquer outra que se possa imaginar, mais poderosa que dúzias e dúzias de bombas atômicas. Mas que fique claro desde já que tal tarefa não pode ser cumprida na perspectiva academicista dos pequenos burgueses da universidade, pela mais que elementar razão de que a eles não interessa objetiva e estruturalmente tomar o marxismo como instrumento de uma transformação social qualitativa, de superação revolucionária do capitalismo. Como alertara Marx há mais de século e meio, à pequena burguesia só interessam mudanças superficiais no interior do capitalismo que possam melhorar sua vida no interior do sistema. Trata-se, portanto, de retomar o marxismo leninismo no fogo das lutas de classes, referência decisiva de avaliação da verdade revolucionária. De todo modo, é preciso enfatizar que tal recuperação somente poderá ocorrer no leito das crises capitalistas em que o sistema exibe sua verdadeira natureza: sua incapacidade estruturante de superar a miserabilização do proletariado e de fazer avançar a humanidade em direção à liberdade.

Por mais que a mobilização dos trabalhadores e seus aliados alcance elevados níveis de radicalização e combatividade – como recentemente no Chile, na Colômbia e, já desde algum tempo, na Venezuela –, essas mobilizações não conseguirão superar as muralhas políticas, ideológicas e militares erguidas pela burguesia enquanto não forem dirigidas por estratégias e táticas rigorosamente marxistas leninistas. Esta é a lição indiscutível da história do capitalismo, passando pelas rebeliões camponesas do século XVI, pelas revoluções inglesa e francesa, pelas insurreições proletárias de meados do século XIX, pela Comuna de Paris de 1871. Que se repita: a tarefa central e estruturante de toda a prática da esquerda, não só brasileira como mundial, é recuperar o marxismo como arma revolucionária do proletariado no fogo das lutas de classes, ou seja, através da intervenção nas lutas concretas deste proletariado.

Outra vez a pequena burguesia

Com a derrota indisfarçável do reformismo estampada na queda do socialismo do Leste Europeu, a pequena burguesia buscou e encontrou duas linhas políticas de historicamente comprovada imprestabilidade ao proletariado: o trotskismo e o gramscianismo, cujos pontos de partida elementares vêm impedindo a esquerda de sequer conhecer a realidade, quanto mais trabalhar na linha de sua superação revolucionária. Para tal superação, é preciso conhecer esta realidade a partir da utilização das categorias do materialismo dialético e histórico, princípio metodológico com os quais tais linhas políticas jamais tiveram sequer contato, já que nasceram, ambas, sob o signo do oportunismo pequeno-burguês.

Abrir mão do cumprimento rigoroso da tarefa de produzir um conhecimento marxista leninista da realidade implica descambar-se necessariamente para o caminho do idealismo, que em política concreta se expressa na prática política dessas correntes reformistas e trotskistas, marcadas irrevogavelmente pela conciliação e pelo voluntarismo. Na realidade, o que está na base deste par pequeno-burguês conciliação/voluntarismo é um profundo e definitivo desprezo pela  concepção marxista da história, explicitada por Marx de forma clara em seus trabalhos, pela qual as sociedades somente mudam a partir de uma ação  consciente da classe objetivamente revolucionária na formação social em consideração. Em outras palavras, o que transforma as sociedades são revoluções, não “evoluções”, como quiseram postular os papas do reformismo na segunda metade do século XIX/início do século XX, com seus fiéis seguidores até hoje hegemônicos na esquerda mundial. Quanto ao absurdo trotskista de que o mundo capitalista teria entrado em uma crise econômica sem volta pela qual ter-se-ia esgotado a possibilidade da produção da mais-valia, pode-se verificar que isso não passa mesmo de um absurdo de profetas através de uma rápida consulta a “O Capital” no capítulo que trata, significativamente, da contratendência da queda da taxa de lucro.

Já que o capitalismo vai acabar e está acabando, bastaria um empurrãozinho esperto e astuto para ocorrer a revolução – garante o trotskismo, um empurrãozinho que somente os trotskistas poderiam dar, garantem. Quadro em que os trotskistas se dão o direito de um sectarismo religioso e também do oportunismo de alianças mais estapafúrdias com a burguesia e a pequena burguesia nas lutas concretas de classes, embarcando em consignas antiproletárias. Afinal de contas, argumentam ainda, todas as conjunturas são revolucionárias, em todos os países do mundo. Ou seja. Na prática não existe conjuntura para o trotskismo, já que o elemento fundamental do conceito de conjuntura é o da especificidade de tempo e de espaço. Não havendo tempos nem espaços específicos, não há que se falar em conjuntura – é esta a conclusão que somos obrigados a chegar.

Já o reformismo – tanto o reformismo tradicional quanto o neorreformismo gramsciano –  acredita infantilmente, contra todas evidências históricas, na possibilidade de chegarmos ao socialismo através de reformas graduais e pacíficas no campo da economia, da política e da ideologia. Não existe sequer um exemplo disso na história. Pelo contrário, o que se constata são derrotas e mais derrotas, a maioria à custa de muito sangue proletário, de tal crendice. É  neste sentido que o reformismo e o trotskismo expressam de maneira cristalina sua ideologia pequeno-burguesa manifesta no apego à institucionalidade burguesa, compromissos espúrios com a burguesia através de louvações à democracia. Alguns deles recorrem ao uso de expressões ridículas como “democracia socialista”, “democracia proletária”, “democracia popular”, para melhor esconder seu apego à ideologia burguesa. Alguns chegam mesmo a se apresentar como defensores de um “poder popular”. O que Marx tem com isso? Nada, absolutamente nada. Por que povo? No fundo este tipo de reformismo acredita que a burguesia e a pequena burguesia têm interesse no socialismo. Simples assim.

Espertamente de olho nesse quadro de deterioração em que se meteu a esquerda, a burguesia não perdeu tempo. Ancorados na citada consolidação/ampliação dos mercados de consumo, chão mais que fértil para o fortalecimento do individualismo pequeno-burguês, acadêmicos a soldo de banqueiros, especuladores, industriais e grandes comerciantes de todo o mundo criaram uma arma de alta letalidade à existência político-ideológica do proletariado: a agenda identitária. Por tal falcatrua, não existiriam mais trabalhadores, proletários, como sujeito das transformações sociais postas na ordem-do-dia do nosso tempo, mas sim, garantem tais falsários, somente negros, homossexuais, mulheres, indígenas etc. Não se pode negar astúcia e esperteza a esta manobra da burguesia, trata-se de um inimigo poderoso infiltrado no seio do proletariado. É preciso, pois, combatê-lo duramente, esmagá-lo sem temor de ficarmos em minoria. A estratégia maria-vai-com-as-outras não apenas é contrária ao leninismo, mas igualmente oposta ao mesmo. Querem fazer o jogo do inimigo? Que façam, mas não se digam leninistas.

Que fazer

Definido pois o quadro de derrota, de defensiva em que se encontra o proletariado mundial, Brasil incluído, o momento é de acumular forças. Acumular forças, ressalte-se, tendo em vista que o capitalismo jamais conseguirá fugir das crises cíclicas que o atingem de tempos em tempos, crises que fazem parte indissociável de sua lógica de reprodutibilidade. É preciso ir aos bairros, às fábricas, a todos os setores de serviços proletarizados. É nestes espaços – e só neles – que se podem acumular forças proletárias, revolucionárias no quadro, pois, das lutas concretas deste proletariado. Mesmo o trabalho no meio estudantil e pequeno-burguês em geral deve ser feito na linha do recrutamento de quadros para o fortalecimento das frentes proletárias.

Não existe caminho fácil. Não podemos, os verdadeiramente comprometidos com o ideal da revolução e da libertação do proletariado, nos deixar seduzir pelo canto da sereia do caminho fácil do oportunismo, da conciliação, da institucionalidade. Nossa caminhada é e sempre será árdua. Mas…

Venceremos!

 

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