IDENTIDADE OU REVOLUÇÃO?

IDENTIDADE OU REVOLUÇÃO?

Sem receio de errar, pode-se afirmar que a maior derrota ideológica imposta pela burguesia ao proletariado nestas duas décadas do século XXI é a vitória, em nível mundial, da chamada agenda identitária sobre os interesses atuais e históricos do proletariado. No Brasil, por motivos ligados à especificidade histórica de sua formação social – que resultou inclusive na estrutura classista do país – e à existência da absoluta hegemonia de uma esquerda ferozmente hostil ao marxismo e ao leninismo, tal dominação assume dimensões perto do catastrófico. Estamos falando da existência de uma pequena burguesia de não menos de 35 milhões de habitantes, formando assim um mercado consumidor sofisticado comparável em quantidade e qualidade aos de países do centro do capitalismo, como Bélgica, Holanda e França, por exemplo, e da presença de uma esquerda hegemonizada amplamente pelo trotskismo e pelo reformismo, este nos tempos atuais fantasiado de gramscianismo.

São várias as faces com que se apresenta esta chamada agenda identitária que a burguesia fez penetrar astutamente e criminosamente no movimento do proletariado: em suas lutas, em suas reivindicações, em sua organização. A serpente inocula seu veneno através de três cabeças, que se desdobram ad infinitum em múltiplas combinações: raça/etnia, gênero e sexualidade.

Atenção para a criminosa manobra operada pela burguesia através de seus aparelhos ideológicos (mídia, escola, igreja, ONGs etc.): trata-se de instalar as reivindicações identitárias (às vezes também chamadas de direitos das minorias) como condicionantes e dominantes frente aos interesses e lutas do proletariado, independentizando fraudulentamente tais reivindicações em relação às lutas de classes e, mais grave ainda, subordinando a própria luta de classes às mesmas no cotidiano do movimento operário. As correntes mais descaradas deste agente da burguesia chegam mesmo a declarar que a introdução sequer do fator classe prejudica a luta identitária. Evidentemente que uma vanguarda marxista leninista não pode menosprezar a selvageria com que negros e índios proletários, mulheres proletárias e homossexuais proletários são tratados na sociedade burguesa.

Diferentemente dos burgueses e pequeno-burgueses, aqueles segmentos proletários são vítimas cotidianas de massacres, humilhações, superexploração e desprezo repugnantes. Cabe-nos, portanto, aos marxistas leninistas incluirmos em nossa teoria e em nossa prática combater duramente o exercício de tal barbárie capitalista contra o proletariado. Isso é absolutamente indiscutível, mesmo que os setores fascistoides dos movimentos identitários nos acusem de darmos as costas às misérias daqueles segmentos.

Raízes

As ideias são filhas do seu tempo e as ideias dominantes em uma sociedade são as ideias mais úteis à dominação das classes dominantes desta sociedade no cotidiano concreto de sua dominação de classe. Em outras palavras, é este o princípio fundamental fixado por Marx/Engels no que diz respeito à busca da origem das ideias. Elas não caem do céu, nem sobem do inferno. A burguesia é má, cruel, assassina, covarde e desumana não por alguma espécie de morbidez congênita de seus membros ou por qualquer vontade aleatória de quem quer que seja. A burguesia detém e pratica tais “qualidades” porque precisa fazê-lo para manter o sistema capitalista funcionando.

A corrente antropológica chamada culturalismo, hoje fortemente dominante na academia e mídia burguesas em nível mundial, tem como característica principal valorar e legitimar todas as crendices, rituais (inclusive assassinatos em massa) impostos aos explorados em todos os tempos pelos exploradores e opressores, chamando a todas estas crendices de “cultura” com o desonesto e espertalhão objetivo de legitimá-las. Como sabemos, a concretização cotidiana da exploração e da opressão se faz através da soma da coerção e do convencimento ideológico, este através de mitos, lendas e mentiras repetidas por aparatos criados e alimentados para tal fim. Não se pode, pois, abrir mão da dominação ideológica como fator indispensável à dominação de classe. Mesmo não sendo o principal fator (que é a coerção e a opressão), a ideologia é essencial à dominação de uma classe sobre outra.

A primeira experimentação sistematizada de toda uma estratégia de dominação ideológica fundada neste tal culturalismo ocorreu nos processos de colonização britânica na Índia, principalmente na chamada era vitoriana, século XIX. Por ordens e estímulo financeiro do gabinete da rainha Vitória é que foram concebidas e criadas na Índia as criminosas ONGs (organizações não governamentais), hoje as principais – senão a principal – veiculadoras da “cultura” da crendice, da miséria e da mentira. E a Índia é o que é hoje: o maior, mais cruel e mais fétido espaço demográfico do mundo, onde mais de um bilhão de proletários experimentam níveis de miserabilidade absolutamente inauditos e indescritíveis. Causa ânsias de vômito ouvir da boca de burgueses e pequeno-burgueses elogios e exaltação de toda esta miséria, desta fome, deste morticínio.

Proletariado? Luta de classes? Não – vociferam os serviçais da burguesia na academia e na mídia. A história já acabou, a luta de classes já acabou, a questão hoje é cultural, a política não é mais de classes, mas identitária – garantem com altivez e queixo erguido, no mais perfeito modelo dos capitães do mato de todos os tempos.

Nas origens materiais mais recentes desta avassaladora onda de estultices de que se serve a burguesia para aprofundar a opressão e a exploração sobre o proletariado podemos destacar o processo de recuperação a partir dos anos 80 do século passado da profunda crise por que passou o capitalismo a partir do início dos anos 70, configurada mais abertamente na chamada crise do petróleo. Falamos da estratégia adotada de aprofundamento da exploração mundial sobre o proletariado exemplificada nas propostas e iniciativas de política econômica da primeira-ministra inglesa Margareth Thatcher e do presidente norte-americano Ronald Reagan. Foi na esteira de toda esta estratégia – que no campo político é integrada pela derrota imposta pelo imperialismo à União Soviética, com a destruição deste país – que floresceu toda uma ideologia individualista que, no campo político, toma a forma degenerada das pautas identitárias. Uma vitória histórica do imperialismo que não se limitou ao campo político-militar.

Oportunismo x utopia

Pois é de individualismo que se trata. É desta raiz ideológica do capitalismo que nasce, floresce, se diversifica e se multiplica a árvore do mal da razão identitária. Os agentes de sua pauta, sejam individuais, sejam coletivos, agem sempre em proveito próprio. Dirigir uma ONG é uma das profissões mais rentáveis hoje em dia. Mas esta não é a questão fundamental, embora importante. O que há de decisivo está em que os adeptos, os divulgadores e os lamentáveis “ativistas” das pautas identitárias atuam em causa própria.

Eles seriam pessoal e individualmente beneficiados na medida em que o segmento a que pertencem (negros/índios, mulheres, homossexuais etc.) tiver sua reivindicação obtida. E isso nada tem a ver com revolução.

Todo o contrário. Tem a ver com corporativismo. Não tem a ver com o amor ao próximo (por favor, não nos chamem cínica e ironicamente de ‘cristãos’, vocês sequer sabem o que é cristianismo, materialismo, marxismo. Vocês identitários não sabem nada). Também por favor, que ninguém venha com a alegação de que a luta sindical também ocorre em proveito individual e próprio de quem a trava. Sim, é isso mesmo. Mas com a “pequena” diferença de que a luta sindical é levada por trabalhadores, por proletários. Não por acaso, Lênin (já ouviram falar?) afirmou que a luta sindical é no fundo uma luta burguesa. Mas, ressalvou Lênin, é uma luta do proletariado diretamente contra o patrão, e por isso mesmo uma escola de luta revolucionária.

A pauta identitária não une o proletariado, mas divide o proletariado, fraciona a luta proletária. E isso é tudo que a burguesia quer. Não por outra razão, Marx e Engels fecham o Manifesto do Partido Comunista com a palavra de ordem: “Proletários de todo o mundo, uni-vos!” Ou seja, a conclamação feita por Marx/Engels é que proletários homens, mulheres, negros, índios, brancos, homossexuais, velhos, jovens etc. se unam na luta contra a burguesia como único caminho da libertação e construção do reino da igualdade real, da verdadeira liberdade e da amizade para todos. Mas não. O que querem agentes das pautas identitárias é a liberdade para si, para cada um individualmente e no máximo, no máximo para os menos oportunistas, para seus idênticos de pele, de sexo, de cor. Os outros que se danem. Os ecologistas, estes, querem apenas um mundo mais saudável para si. Alguém já disse, com propriedade, que a ecologia é o túmulo da utopia.

Não por acaso o que assistimos atualmente é uma progressiva degeneração dos movimentos identitários organizados em verdadeiras máfias cevadas no ódio e na agressividade gratuita aos verdadeiros revolucionários. O individualismo sempre será um rio sujo que corre para o mar do ódio. Para a exclusão.

A pauta identitária, pois, não é apenas um mal lateral, algo secundário, um adversário menor do proletariado. Não nos deixemos enganar. Lutar pelos direitos de negros e índios, de mulheres e de homossexuais NÃO é assumir pautas identitárias. Pelo contrário, tal luta só será digna, justa e unificadora se levada em conjunto com os interesses do proletariado, sob a hegemonia política e ideológica deste. Porque somente assim será uma luta libertadora.

Venceremos!

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