O 18 Brumário de Bolsonaro?

O 18 Brumário de Bolsonaro?

O país inteiro se alvoroçou diante da convocação feita pelo movimento bolsonarista de uma manifestação para o dia 15 de março próximo, destinada a criminalizar o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF), fundamentalmente, atribuindo a estas instituições atitudes e entraves ao funcionamento efetivo do poder executivo, da presidência da República, contra Jair Bolsonaro e sua equipe. Enfim, Bolsonaro volta a atacar duramente os demais poderes, a exemplo do que fizera no episódio em que os comparara figurativamente a hienas e na fala do deputado 02, que garantira que, para fechar o STF, bastariam dois soldados e um cabo.

Vários e vários os episódios desta natureza vêm-se repetindo desde a posse do atual presidente. Da boca e da pena de seus ministros e demais auxiliares diretos são despejados diariamente impropérios e absurdos dirigidos, pode-se concluir, a desgastar e deslegitimar as próprias instituições que comandam ou de que fazem parte, ridicularizando-as na maioria das vezes. O artifício é velho e bem conhecido. O ministro da Economia, Paulo Guedes, ofende obscenamente as trabalhadoras domésticas. Para além das quase folclóricas performances da ministra dos Direitos Humanos/Mulheres e do titular da Educação, talvez o destaque maior das hipotéticas traquinagens (de fato manobras muito bem calculadas) foi a postagem do então secretário nacional de Cultura, que se deu o trabalho de publicar como sua uma fala de Joseph Goebbels, ministro da Comunicação de Hitler.

Meras provocações? Balões de Ensaio? Não. Mais que isso, muito mais que isso. Como bem sabem – e instruem – os oficiais generais de que se cerca Bolsonaro, estamos diante de uma estratégia de acumulação de forças pelo movimento capitaneado por Bolsonaro em busca da instalação de um estado fascista no Brasil. É disso que se trata, para quem quiser ver. Neste quadro, é preciso fazer algumas perguntas.

1. Há condições estruturais para a implantação do fascismo no Brasil? A resposta, desgraçadamente, é um sonoro sim. À diferença de uma ‘mera’ ditadura militar, o fascismo exige apoio e sustentação de massa. Dos mais de 200 milhões de habitantes do Brasil, pode-se contar com certeza como mais de 30 milhões os que colocariam com grande alegria e disposição mãos e braços a serviço do fascismo – nas ruas, nas fábricas, nos porões de tortura, nas trincheiras, nas escolas e universidades. Os democratas falam e votam, os fascistas agem. Falamos aqui de uma classe média com um poder de consumo equivalente, ou mesmo maior, que o de tais segmentos na Europa e Américas. Esses grupos sociais são irremediavelmente fascistas. Tentar ganhá-los sequer para o campo do proletariado configura infantil perda de tempo. Reforce-se que tal classe média afluente do Brasil foi criada pela ditadura 64-85 através de um histórico processo de concentração de renda capaz de causar espanto até aos barões do petróleo do Oriente Médio. E a alimentar cotidianamente o poder de compra e a ideologia consumista desta classe identifica-se no país um mais que sofisticado sistema de circulação de mercadorias de luxo.

2. E ideologicamente, há condições estruturais para o fascismo no Brasil? Mais uma vez temos que admitir a verdade: sim. O Brasil, enquanto país, não tem história. Ou seja, não tem presente na memória das massas nem mesmo uma vaga lembrança de eventos históricos que remetam à combatividade e consciência dos de baixo. O que há é um rosário sem fim de embustes e mentiras. O Brasil não registra na história – ou seja, nos eventos formadores da nação que permanecem na memória coletiva – nomes da estatura de José Marti, Simón Bolívar e José María Morelos, por exemplo. Nossos heróis nacionais são Pelé, Garrincha e Zico. Isso é sério, muito sério. Claro, tivemos um Bento Gonçalves, na Revolução Farroupilha, e um Frei Caneca, na Revolução Pernambucana. Mas, somada a dimensão do país à manipulação histórica das classes dominantes, estes últimos se perdem na poeira do tempo da memória nacional.

Heróis do proletariado? Temos. Zumbi, Agildo Barata, Prestes, Gregório Bezerra, Marighela, Lamarca, Apolônio de Carvalho, Carlos Alberto de Freitas. E muitos e muitos outros, que deram a vida pelos trabalhadores. Mas a história é contada pelos vencedores, e nossos heróis somente estão presentes hoje nos corações e mentes de homens e mulheres comprometidos direta ou indiretamente com os de baixo. Mas um dia – que a burguesia e seus aliados e agentes não se enganem! – o proletariado os erguirá no fogo da luta revolucionária ao patamar mais alto de verdadeiros heróis da humanidade.

3. Temos no Brasil o sistema de comunicação mais comprometido com o capitalismo em nível mundial. O Sistema Globo de Comunicação se destaca internacionalmente como a mais eficiente e sofisticada usina de mentiras e manipulações de que a humanidade tem notícia.

4. E há a questão religiosa, de importância decisiva na eleição de Bolsonaro, fortemente ancorado que esteve – e está – em todo o complexo do neopentecostalismo financeiro, que vem avançando nacional e internacionalmente a partir da ação combinada dos serviços de informação dos Estados Unidos com o papa João Paulo II.

E então, chegou o dia do golpe fascista? O 18 Brumário de Bolsonaro?

Não, não há a menor evidência de que o movimento bolsonarista, já existente sem dúvida, pretenda e consiga fazer estourar o seu golpe fascista no Brasil a curto prazo. Claro, a história tem ritmos surpreendentes. Mas o fato é que não foram criadas ainda as condições subjetivas para o advento imediato do fascismo no país. Vejamos.

Em primeiro lugar, partindo do pressuposto acima enunciado de que o fascismo necessita de uma base de sustentação de massa, não se identifica no país uma organização de massa capaz de conduzir esta massa a desenvolver ações político-militares necessárias à instalação de um estado fascista. O próprio Bolsonaro, que embora burro é muito esperto, percebendo que não é o momento, que não tem condições, hoje, de estruturar seu partido fascista, recuou de imediato do projeto, deixando para 2022, na esteira das eleições presidenciais, as providências concretas de organização de seu partido. O fato é que as possíveis – e prováveis – bases políticas do futuro partido fascista estão hoje divididas entre os múltiplos e variados grupos corporativos em que se estrutura a ‘classe’ política no país.

O próximo 15 de março de março é o ponto de partida desta empreitada unificadora, não o ponto de chegada do projeto de golpe fascista de Bolsonaro.

Na Itália, os Camisas Negras (partido fascista de Mussolini) começaram a ser estruturados logo ao final da I Guerra, em 1918, para quatro anos depois, em outubro de 1922, realizarem a conhecida Marcha sobre Roma, evento que levou o rei Emanuele III a nomear Mussolini primeiro-ministro. Na Alemanha, o partido nazista foi fundado em 1920, com os freikorps que esmagaram a revolução proletária em 1918/19 sendo transformados por Hitler em sua milícia fascista SA já a partir de então, crescendo vertiginosamente sob os olhares condescendentes da socialdemocracia no poder. Até que chegou a 1933, quando Hitler chegou ao poder através de eleições legítimas e democráticas. Não se pode esquecer, igualmente, que o partido que sustentou o golpe de Luiz Bonaparte, em 1851, a Sociedade Dois de Dezembro, fora criada três anos antes.

Estes dados, referentes aos primórdios dos golpes fascistas mais estudados, às origens dos processos de construções de suas bases, nos remetem para a consideração de que não há por que se alarmar com a hipótese de um golpe fascista em curtíssimo prazo no Brasil. Como temos afirmado reiteradamente em nossas publicações, Bolsonaro está clara e abertamente empenhado em implantar o fascismo no Brasil. No entanto, não possui as bases materiais para fazê-lo já.

Assim, todo esse alarmismo da esquerda e de grupos parlamentares corporativistas em torno de um golpe de estado imediato não mais que remete para os mesmos objetivos eleitoreiros de sempre. É na crista desta onda que surfam os oportunistas de sempre em busca de votos e mais votos. Mais grave, os gritos e urros em defesa da “democracia ameaçada” não mais que abafam os verdadeiros interesses do proletariado, a luta do proletariado, a voz da revolução proletária. Aliás, é para isso que serve a democracia: para neutralizar a luta revolucionária. Já não se fala mais da greve dos petroleiros. Não por acaso.

Não nos deixemos enganar. Abaixo o alarmismo democrata-eleitoreiro!

Viva a Revolução Proletária!

Venceremos!

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