O esgotamento do modelo neoliberal

O esgotamento do modelo neoliberal

Por sua magnitude e consequências em nível mundial — e a exemplo de crises capitalistas anteriores —, a de 2008 também foi a manifestação da contradição fundamental entre o grau de desenvolvimento das forças produtivas e as relações de produção, como apontado por Marx. Mas foi também a expressão da contradição entre imensas massas e fluxos de capital circulante e as possibilidades cada vez menores de realização e manutenção de suas taxas de lucratividade no mundo da chamada ‘economia real’.

Segundo levantamento do próprio Banco Mundial, uma instituição burguesa e imperialista — insuspeita, portanto, de qualquer veleidade esquerdista —, o atual fluxo de meio circulante em todo o mundo (composto por papel moeda, depósitos bancários, títulos públicos e privados) soma 170 trilhões de dólares, número quase quatro vezes superior ao Produto Interno Bruto (PIB) mundial, hoje na casa dos US$ 50 trilhões.

Esse elemento, por si, dá uma dimensão ainda maior à atual crise (na verdade, uma continuidade da crise de 2008), na medida em que aponta para a possibilidade de esgotamento do modelo neoliberal enquanto instrumento utilizado pelo imperialismo no mundo inteiro como forma de reverter a tendência de queda em suas taxas de lucro.

Implementado amplamente na década de 80, tanto nos países centrais quanto nos países da periferia capitalista, o modelo neoliberal teve contudo seu primeiro experimento concreto no Chile de Pinochet, a partir do golpe que derrubou o governo social-democrata de Salvador Allende naquele país. Privatizações de empresas estatais, cortes de direitos da classe trabalhadora, isenções tributárias para empresas privadas, redução da oferta de serviços públicos, desmonte das políticas de assistência social e de seguridade foram algumas das medidas então implementadas no Chile e posteriormente aplicadas em vários outros países, a partir da ofensiva movida pelos governos Reagan (EUA) e Thatcher (Inglaterra). Políticas essas que, além de transferirem fundos e recursos públicos para o capital, trouxeram um empobrecimento e miséria ainda maior ao proletariado em centenas de países.

O modelo neoliberal foi na época a resposta que o imperialismo encontrou para fazer frente ao aprofundamento da crise de reprodutibilidade do capital que vinha sendo gestada desde o início dos anos 70, quando se esgotou a chamada ‘era de ouro’ do pós-guerra, período marcado por um ininterrupto crescimento econômico que durou quase 30 anos. Para fazer frente a tal crise, e considerando os fatores dinâmicos do capital, já não era mais possível ao imperialismo manter políticas de bem-estar típicas da socialdemocracia então vigentes em vários países capitalistas no pós-guerra.

No entanto, o resultado cumulativo da implementação do modelo neoliberal em centenas de países, incluindo o Brasil, foi produzir a situação de um proletariado ainda mais debilitado, subempregado, com um mínimo de direitos e com acesso cada vez mais restrito a serviços básicos de saúde, previdência e assistência social. Proletariado que, nos países onde o neoliberalismo foi implementado e aprofundado, será cada vez menos atendido por seus respectivos estados capitalistas, que já esgotaram os orçamentos públicos em benefício do capital privado e para ‘salvar’ empresas. Em tal situação, o proletariado desses países vem inclusive perdendo a própria condição de ser explorado, na medida em que também perde a condição de se reproduzir enquanto força de trabalho. Além disso, do ponto de vista da realização da mais-valia, é importante destacar que, nas economias capitalistas, o chamado consumo de luxo exerce papel complementar em relação ao consumo exercido por amplos contingentes do proletariado, o que aponta para a crescente dificuldade de o capital manter suas taxas de lucratividade em níveis por ele considerados satisfatórios.

É este, portanto, o ponto de saturação e esgotamento do modelo neoliberal como meio de o capital enfrentar sua crise de reprodutibilidade.

Isto posto, qual a saída que o capital encontrará para uma crise de tamanha dimensão? Todos sabemos que, historicamente, a passagem de um modelo a outro nunca se deu sem conflitos ou guerras. Foi assim na passagem do liberalismo clássico para a política imperialista (que provocou as duas grandes guerras mundiais e produziu milhões de mortos). E foi assim na passagem para o modelo de bem-estar social, cuja implementação só foi possível após a destruição em massa provocada pelas grandes guerras e pela existência do bloco socialista então liderado pela URSS.

Marcada por uma crise interimperialista cada vez mais acirrada entre os blocos capitalistas liderados por EUA, Europa e Japão, a situação geopolítica atual do mundo em muito lembra aquelas que precederam as duas grandes guerras. A diferença fundamental é que, ao contrário de 1914 e de 1939, hoje o mundo possuiu milhares de ogivas e armas nucleares capazes de promover uma completa destruição em nível planetário.

Em função dessa limitação objetiva, uma das “soluções” possivelmente adotadas pelo imperialismo talvez seja a de retomar com mais intensidade as agressões militares em nível local, buscando se apropriar de formações sociais promissoras que tenham riquezas naturais e um potencial mercado. Nesse sentido, um dos países mais ameaçados pelo imperialismo, inclusive no curto prazo, é a Venezuela, detentora da maior reserva petrolífera do mundo e onde a luta de classes encontra-se em estágio mais avançado, apesar das hesitações do governo Maduro em fazer avançar a revolução bolivariana.

Embora a existência da China como potência e país socialista sinalize sua capacidade de liderar um bloco contra-hegemônico, com participação de Rússia, para fazer frente à barbárie capitalista, não sabemos se tal será suficiente para evitar uma escalada de agressões militares organizadas pelo imperialismo.

A nós, comunistas, cabe cerrar fileiras em defesa da Venezuela como polo central da luta de resistência política, econômica, militar e ideológica à barbárie imperialista e fascista.

Para esta luta, obviamente não poderemos contar com os reformistas, que historicamente — e nos momentos decisivos — sempre se aliaram ao imperialismo e aos fascistas para combater o proletariado, como mostra o já clássico exemplo do ocorrido após a derrotada revolução alemã de 1918.

Venceremos!

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