Refundar o Sepe!

Os dias 22, 24 e 25 de outubro de 2013 acabam de entrar para a história do movimento sindical brasileiro indelevelmente marcados pela vergonha e pela rendição. O Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro – o Sepe, de toda uma trajetória de combates heroicos – sofreu nestes dias o mais devastador ataque à sua gloriosa tradição de lutas em defesa dos trabalhadores da educação em seus mais de trinta anos de existência. Uma venenosa fórmula que somou aparelhismo, messianismo, reformismo e governismo adotada por sua diretoria tentou fazer do heroico Sepe um reles instrumento da mais sórdida e suja investida dos patrões e seu governo contra o sindicalismo brasileiro desde o surgimento, há mais de um século, do movimento sindical organizado no país.

Que se identifique desde já quem se prestou ao vergonhoso serviço de portador dos interesses governamentais, burgueses portanto, naqueles dias que sintetizaram os momentos mais intensos de uma das maiores greves da categoria dos trabalhadores da educação do Rio de Janeiro. Que fique igualmente claro que não falamos nem vamos falar aqui de pessoas. Mas, sim, de forças políticas de esquerda que, majoritárias na direção do Sepe, assumiram voluntariamente papel e função de representantes do governo. À frente de tais forças, estiveram de forma mais destacada o trotsquista Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) e setores da ala direita do Partido do Socialismo e Liberdade (PSOL). O PT e o PCdoB evidentemente compuseram esta melancólica cruzada de servilismo, mas estes partidos de há muito se transformaram em partidos burgueses.

Os eventos
No interior de uma greve com mais de 70 dias de duração, envolvendo os educadores das duas redes, estadual e municipal, e marcada por vários momentos de radicalização e enfrentamento com o aparato repressivo do estado, permanentemente mobilizada pela mesma combatividade espontânea dos trabalhadores que tem motivado o reerguimento do movimento de massas no país, no interior pois desta greve, as forças acima mencionadas sempre mantiveram uma postura de recuo e conciliação, tanto no que diz respeito à forma dos embates e manifestações, quanto à continuidade do movimento grevista. Não vamos repetir agora as críticas que fizemos e temos feito ao PSTU desde as jornadas de junho quanto à sua tão feroz quanto ridícula pretensão ostentada em seus posicionamentos e propostas de perfilar ao lado das centrais sindicais burguesas e mafiosas com o intuito de “ganhar suas bases”. Como dialogar com este tipo de oportunismo a que alguns denominam entrismo? Prossigamos.

Durante toda a greve estes setores majoritários da direção do Sepe mantiveram uma posição contrária à unificação da luta dos trabalhadores do estado com os do município do Rio. Também não foram poucas as assembleias em que ambos os segmentos da categoria impuseram duras derrotas às posições da diretoria que insistiam em propor o fim da greve quando a mesma se encontrava em seus melhores picos de mobilização. Suas repetidas alegações de que o movimento já estava em declínio e de que a categoria não poderia sair derrotada etc. etc. jamais conseguiram ocultar seu verdadeiro objetivo: o medo de perderem o controle do movimento. Enfim, pela lógica aparelhista e messiânica – que compartilham trotsquistas e reformistas – será sempre melhor estancar o movimento que permitir que este avance em radicalização e organização, escapando assim por entre seus dedos, saindo debaixo de seus braços. E assim fazem e fizeram.

Derrotados pois nas assembleias da categoria em todas as suas propostas de acabar com a greve, os majoritários da diretoria do Sepe não hesitaram em firmar um compromisso com o estado burguês de encaminharem o fim da greve.

Pois foi isso que ocorreu no dia 22 de outubro passado, quando, em atendimento a uma convocação do ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), uma comissão formada por coordenadores-gerais do sindicato participou de uma reunião conjunta com representantes dos governos estadual e municipal e o próprio ministro com o alegado objetivo de elaboração de um acordo.

E o espantoso é que os majoritários da diretoria sequer desconfiaram que o estado burguês, através do STF, demonstrou encontrar-se na defensiva, em busca desesperada de um meio de pôr um fim à greve, que tomara dimensão nacional. Incapacitados de operarem análises concretas de situações concretas pelo método voluntarista e imediatista de origem que fundamenta sua teoria e sua prática, trotsquistas e reformistas atribuem em nota oficial da diretoria à sua iniciativa de recorrer à Justiça (leia-se poder judiciário burguês) a razão da convocação inusitada feita pelo ministro Fux. Ou seja, o recurso à luta institucional, que deveria e sempre deve ser tomado como linha auxiliar da ação principal do combate vivo do proletariado, foi considerado a causa da convocação sem precedentes.

Rendição e usurpação

E foi neste quadro de perversa combinação de acomodação e alienação, que a atual direção do Sepe chegou a determinar que os cerca de 150 trabalhadores de base que foram a Brasília permanecessem longe do STF, já que, segundo tiveram o despudor de alegar, o ministro Fux não gostaria de se sentir pressionado. E a comédia de horrores e erros prossegue, então, no mar de tranquilidade dos salões refrigerados do Supremo Tribunal Federal. E o resultado final não poderia ser outro: a diretoria do Sepe – não o Sepe, mas sua diretoria, que isso fique muito claro – se fez legitimadora, cúmplice e porta-voz da mais sórdida chantagem operada pelo estado burguês-patronal contra uma categoria de trabalhadores em toda a história do país.

Concretamente, os representantes da atual diretoria do Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação-RJ assinaram o compromisso de encaminhar e defender em assembleias um “acordo” em que nenhuma, absolutamente nenhuma, das reivindicações da categoria que originaram e mantinham a greve foi contemplada! Pelo contrário, muito pelo contrário. A diretoria do Sepe assinou embaixo a chantagem que o STF fez desabar sobre a cabeça dos trabalhadores da educação: ou acabam com a greve e voltam imediatamente ao trabalho ou serão processados e demitidos. O nome disso é rendição.

Para que não restem dúvidas, vamos lembrar que os representantes da diretoria saíram do Rio rumo a Brasília de posse e conhecimento das deliberações explícitas em favor da continuação da greve. Deixemos, pois, claro que a diretoria jogou lata de lixo a decisão soberana dos trabalhadores da educação do Rio de Janeiro. Estamos diante, portanto, de um acordo não apenas espúrio, mas também violador do mais elementar princípio ético da prática sindical: a soberania da base. O nome disso é usurpação.

Nunca será demais destacar que o recurso às formas institucionais de luta é não apenas legítimo, mas igualmente indispensável a uma prática sindical efetiva em defesa dos interesses dos trabalhadores. Mas que fique muito claro que uma coisa – certa – é recorrer à ação institucional tendo por base a pressão grevista, a principal arma de luta do trabalhador. Mas jamais operar em “parceria” com as instituições burguesas, legitimando-as ideologicamente através de ladainhas em torno da democracia e da cidadania.

E foi com sisudos apelos à democracia que a diretoria partiu firme para a defesa do fim da greve nas assembleias de 24 e 25 de outubro, nas redes estadual e municipal respectivamente. O resultado de ambas acabou sendo o esperado: com a espada da demissão e dos processos administrativos erguida sobre suas cabeças pelo acordo de Brasília, os trabalhadores da educação, mesmo que por maioria escassa, decidiram pela volta ao trabalho. E que ninguém venha com o descaramento de dizer que a categoria recuou! Pelo contrário, em todo o período, os trabalhadores da educação do Rio de Janeiro deram exemplos e mais exemplos de combatividade e coragem. A decisão de terminar a greve tem origem clara: a categoria teve suas armas roubadas pelo vergonhoso acordo de Brasília, no qual o oportunismo, a conciliação e o aparelhismo sacrificaram os interesses dos trabalhadores aos seus próprios interesses mesquinhos.

Isso mesmo. A bem da verdade, não se pode rigorosamente falar em traição por parte do PSTU e da ala direita do PSOL. Pode-se, sim, falar em rendição oferecida de bandeja em troca da manutenção do aparato sindical. Enfim, o que deu a linha da reunião entre o estado burguês (repita-se, o STF é parte do estado burguês) e a comissão de diretores do Sepe foi a total falta de princípios. Do lado da burguesia, não há o que falar. Faz parte da sua essência a falta de qualquer compromisso ético que não seja o de explorar e oprimir os trabalhadores. Mas por parte da esquerda esta total falta de princípios atingiu níveis até agora inusitados em toda a história do Sepe e, como dissemos, de toda a história do movimento sindical brasileiro.

O resultado de tudo isso é que estes setores majoritários da esquerda que hoje dirigem o Sepe perderam toda a legitimidade de continuarem à frente do sindicato. E aqui, sim, podemos juntar no mesmo saco sujo do descompromisso com os reais e concretos interesses dos trabalhadores o PT, o PCdoB, o PSTU e os segmentos de direita do PSOL. A degradação escancarada pelo acordo de Brasília atingiu um ponto sem retorno. PT e PCdoB já tinham passado para o lado da burguesia há mais de uma década. Se alguma dúvida houvesse quanto ao alinhamento destes partidos à ordem burguesa, mesmo diante de adoção da estratégia liberal de aprofundamento da miséria do proletariado desde o primeiro governo Lula, se não bastasse toda esta história, o governo do PT-PCdoB adota agora como moda da presente estação a entrega de mão-beijada de recursos gigantescos – como nos recentíssimos casos da reserva petrolífera de Libra e do Banco do Brasil – ao grande capital.

Conclusão: estas forças políticas já não têm mais o que fazer à frente do Sepe. Se possuíssem dose mínima de autocrítica, o menos que fariam seria pedir demissão coletiva e convocar eleições gerais para o sindicato. Mas não o farão. Pelo contrário, toda a enxurrada de críticas que lhes vêm da base da categoria é por estes setores majoritários qualificada de “divisionismo”. Trata-se de velha manobra usada como estratégia das classes dominantes em toda a história das lutas de classes. Na realidade, o que ocorre é que estes setores é que estão divididos e separados da categoria por uma imensa muralha que eles mesmos ergueram durante estes mais de trinta anos com o cimento do aparelhismo, do oportunismo e do messianismo.

Messianismo sim, porque eles se acham donos da verdade e da justiça, possuidores da sabedoria absoluta, juízes imparciais que lançam na vala comum da “traição” todos aqueles que não concordam com suas posições e propostas. Julgam-se deuses e, como tais, acima do bem e do mal. Em nota oficial recente, o PSTU atribui algumas das críticas dirigidas a seus posicionamento durante a greve a uma hipotética postura divisionista dos que se opõem a seu oportunismo e conciliação, escolhendo da corrente anarquista que atua no sindicato como alvo preferencial de tal acusação. Nós do MM5, enquanto marxistas e participantes da verdadeira Oposição Sindical do Sepe, mantemos críticas de método da mesma natureza programático-estrutural tanto ao anarquismo quanto ao trotsquismo e ao reformismo, opostas que são todas estas correntes ao materialismo histórico e dialético fundantes do marxismo. Mas que fique muito claro: jamais alguém de consciência sã poderá acusar os segmentos anarquistas que atuam no sindicato de alguma ação sequer remotamente ligada a oportunismo, aparelhismo e rendição. Jamais.
Reconstruir o Sepe

O fato, tão melancólico quanto real, é que as correntes hoje hegemônicas no Sepe perderam vitalidade proletária, força de combate, humildade e abnegação necessárias como exigência mínima para se servir à causa dos trabalhadores da educação no estado e no município do Rio de Janeiro. A mudança de conjuntura as surpreendeu em seu estado de fossilização. É preciso mudar. É preciso, urgente e inadiável construirmos uma nova liderança da categoria, uma liderança capaz de fazer frente aos desafios da conjuntura. Façamos do próximo congresso da categoria a primeira grande frente de batalha desta transformação histórica.

Juntemo-nos, as verdadeiras forças de oposição sindical no Sepe, em uma sólida frente de trabalho para refundarmos o nosso sindicato, tendo sempre presente ser fundamental preservar nossa entidade, não a submetendo a golpes.

Para isso, é preciso modificar nosso estatuto colocando fim a este arranjo conciliador de eleições proporcionais, estabelecendo o princípio majoritário de direção sindical, em que situação e oposição mostrem suas caras e práticas no interior de uma prática sindical aberta, clara e transparente, sadia. Além disso, é preciso instalar o voto universal, estendendo a todos os trabalhadores da categoria o direito de voto nas eleições sindicais. Se o sindicato nos representa a todos, que todos nós, então, escolhamos nossos representantes. Direito de voto restrito apenas aos associados é ponto de partida e de chegada para fazer do sindicato um clube de amigos. De amigos e de arranjos às costas dos trabalhadores.

Vamos, pois, à luta. Com a certeza na frente e a história na mão.

Venceremos!

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