Voto útil. Útil a quem?

Voto útil. Útil a quem?

O segundo turno das eleições municipais traz de volta um tema já antigo, mas muito bem guardado por reformistas – abertos e não abertos, declarados e não declarados, oportunistas conhecidos e desconhecidos – para uso em ocasiões adequadas: o chamado voto útil. Segundo a argumentação esperta de quem o defende e propõe, a questão que se coloca é a opção para o mal menor. A natureza estrutural do voto em eleições burguesas? A quem é realmente útil o voto útil? Não. Tais preocupações – absolutamente essenciais a qualquer política que se proponha a defender os interesses do proletariado – jamais são postas em discussão pelo reformismo. Aliás, o reformismo, assim como o trotskismo, não passa de uma corrente política geral na qual está descartada de início (e por princípio) a possibilidade da reflexão crítica. Trata-se de correntes de pensamento (?) e de prática política fundadas em pressupostos e dogmas blindados à razão crítica. É porque é – rezam esses evangélicos de esquerda.

De contrabando, sem o declarar, os defensores do voto útil fazem pose de maduros e solidários, humildes franciscanos despreocupados com vaidades partidárias ou de grupo. Vejamos.

Antes de mais nada, é preciso deixar claro que o voto em eleições burguesas é sempre útil à burguesia e à pequena-burguesia. Jamais ao proletariado. Isso porque em eleições burguesas – como as que ocorrem atualmente no Brasil – o voto não passa de um poderoso instrumento de legitimação e fortalecimento da democracia, ou seja, do estado burguês. Tomando-se como eleições burguesas aquelas em que não estão em disputa clara e abertamente os interesses políticos ou históricos do proletariado. Interesses sindicais sempre estarão em jogo nessas eleições, mas nada que possa ser colocado concreta e materialmente no campo do fortalecimento do proletariado na linha direta da sua revolução. Um ganho aqui, outro ali – nada que a burguesia não possa reverter e destruir na próxima volta do ponteiro. Como a história tem demonstrado à exaustão. O que é o neoliberalismo senão a destruição dos ganhos obtidos pelo proletariado no período socialdemocrata do pós-II Guerra? A história, também à exaustão, já desmentiu a balela gramsciana do ganho de “posições”. Já, pelo contrário, eleições proletárias são aquelas em que se disputam e estão em jogo concretamente – repetimos, concretamente, não somente na cabeça de reformistas malabaristas – interesses políticos e históricos do proletariado. Como na Venezuela, por exemplo, onde partidos e organizações comunistas defendem e propõem o… comunismo. Diferente do Brasil, não é?

Vamos ao concreto. No Rio de Janeiro, argumentam os utilitaristas (utilitários? inocentes úteis?) que é preciso votar em Paes para evitar o Crivella. Ora, o que fez Eduardo Paes em favor dos trabalhadores nos oitos anos em que esteve à frente da prefeitura? Resposta: nada. Agora, perguntem aos empresários, principalmente os da construção civil, o que fez Paes em favor deles. Resposta imediata: tudo. Dizem ainda os utilitaristas que Crivella fortalece Bolsonaro no Rio. Outra inverdade. Bolsonaro venceu as eleições (inclusive no Rio) pela força decisiva que lhe deram o poder judiciário, a mídia e as igrejas, as evangélicas principalmente, o imperialismo. Acreditar que as igrejas evangélicas elegeram Bolsonaro sozinhas é burrice ou oportunismo destilado. A formação social brasileira não tem passado nem presente para abrigar um estado teocrático. Os reformistas jamais entenderão isso, nem se desenharmos para eles. Portanto, o voto proletário no Rio é o voto nulo.

Já em Porto Alegre, o voto útil se apresenta com uma conotação positiva, com a candidata Manuela D’Ávila, do Partido Comunista do Brasil (que já deixou de ser comunista), apresentando-se como uma candidatura da esquerda em contraposição a um candidato de direita. Independente do partido a que pertence, D’Ávila já deu provas de ser uma militante séria e combativa. Porém, igualmente sérios e combativos são e sempre foram Olívio Dutra e Tarso Genro. E a pergunta fatal se apresenta: o que Olívio e Tarso deixaram de concreto e permanente em favor da organização e consciência independentes do proletariado em Porto Alegre? Resposta: nada. O que poderá deixar Manuela? Nada. Nada além (como o fizeram Tarso, Olívio e Alceu Colares – três homens sérios e respeitáveis, repetimos) de legitimar e fortalecer a democracia, esta fraude destinada a manter e aprofundar a exploração burguesa sobre a classe trabalhadora.

Em São Paulo a situação é um pouco diferente, sem deixar de ser grave, mais grave. De um lado, o atual prefeito Bruno Covas, um picareta espertalhão apadrinhado de um velho vigarista, o atual governador João Dória. Não vamos mais perder tempo e espaço aqui com o senhor Covas. Na outra ponta da raia, surge sorridente e olímpico o senhor Guilherme Boulos, desfraldando a bandeira da felicidade eterna do proletariado. Segui-me e vos conduzirei ao paraíso, dá a entender. Trata-se de um fenômeno muito sério, semelhante às tragicomédias protagonizadas por Ademar de Barros e Jânio Quadros, só que agora operado por um candidato da esquerda. Boulos sabe muito bem que não poderá cumprir o que insinua com seus sorrisos e caretas. Boulos sabe muito bem da existência de muralhas intransponíveis às suas promessas. A última: Boulos prometeu acabar com o racismo em São Paulo. O racismo, sabe ele muito bem, tem fortes raízes históricas e sociais na cidade de São Paulo e em todo o Brasil. Para acabar com o racismo, ele sabe, temos que acabar com o capitalismo e instalar uma sociedade e um estado socialistas capazes de destruir tais raízes históricas, o que só pode ser feito em nível nacional através do ato inicial de uma revolução proletária. Boulos sabe disso. Ou não sabe? Um reformista deixa de saber das coisas quando o oportunismo eleitoreiro toma conta de sua pele e invade seus ossos. Também em São Paulo, o voto proletário só pode ser o voto nulo.

Mas que fique mais uma vez claro: não é porque Covas é um picareta rasteiro e Boulos em demagogo que o voto deve ser nulo. Nossa posição não pode se restringir a conceitos morais – sem abrir mão dos mesmos, é claro. Mas a questão central é que: estamos diante de uma eleição burguesa no seio de um estado democrático. É por isso que o voto nulo se impõe em todo o país.

Venceremos!

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