A hora e a vez de Aécio

A hora e a vez de Aécio

Até o menor grão de areia do deserto de Saara sabe há cinco séculos que o senador Aécio Neves da Cunha é e foi desde sempre um dos mais refinados vigaristas de que a história de todos os mundos ouviu falar. Assaltante contumaz do erário público, mentiroso, manipulador, trapaceiro. Desde que se pendurou morbidamente na alça do caixão do avô Tancredo Neves, a ninguém terá escapado, nem mesmo a observadores menos atentos, que ali se apresentava de corpo inteiro uma perfeita combinação de oportunismo com absolutas falta de caráter e ausência de escrúpulos e de princípios. Em toda sua vida política Aécio manteve apenas uma fidelidade: a fidelidade aos interesses da burguesia.

Então, por que somente agora o poder judiciário aceita a denúncia contra ele? Especificamente, e obviamente, pelo fato de que o estado burguês brasileiro precisava apresentar um contraponto à prisão de Lula, de modo a reafirmar a cruel palhaçada de que a “justiça é igual para todos”, ainda mais que a cada minuto surgem evidências de que o processo do triplex contra o ex-presidente contém erros de tal modo grosseiros a ponto de agredirem os mais elementares e rasteiros mandamentos do direito processual burguês – que, aliás, como sabemos, é um direito burguês, essencialmente dirigido contra os interesses dos trabalhadores. Como a cada dia fica mais claro, a prisão de Lula compõe a estratégia burguesa de não deixá-lo candidatar-se à presidência da República.

Em um âmbito mais geral de análise, a prisão de Aécio pode e deve ser entendida como expressão do novo lugar que está sendo ocupado pelo poder judiciário na estrutura de dominação do estado burguês no país: o recurso ao poder judiciário frente a um complexo quadro de fragilização dos poderes executivo e legislativo. Concretamente, o Supremo Tribunal Federal (STF) assume o poder no lugar da presidência da República. E o STF está plenamente capacitado para a função, já que não há registro, nos anais da história da prática jurídica no país, de um STF tão mesquinho, tão despreparado, tão primário quando o atual. Excetuando-se um (no máximo, dois) de seus componentes, os demais seriam liminarmente reprovados em um elementar exame de primeiras letras. Não são alfabetizados, pode-se garantir. Mas, como afirmou repetidamente Marx em seu “18 Brumário”, determinadas circunstâncias conjunturais exigem mesmo o mais estúpido dos estúpidos para comandar a máquina de exploração e opressão do estado burguês.

Para o que mais interessa àqueles que combatem pelo proletariado, com o proletariado e ao lado do proletariado, é preciso destacar claramente que a sanha “justiceira” dos torquemadas do poder judiciário brasileiro fará rolar mais cabeças de serviçais do sistema. Rigorosamente ninguém pode garantir hoje que o vampiro Temer chegará ao final do mandato que roubou com a conivência de deputados e senadores e a complacência criminosa do STF. Como o MM5 tem assinalado, o golpe palaciano que depôs Dilma Rousseff inaugurou uma quadra histórica de provisoriedade na dominação burguesa no país, que, em presença do inevitável aguçamento das lutas abertas de classes, deve levar a uma opção entre duas: socialismo ou barbárie fascista. Que se enfatize que o Brasil ainda é um país democrático, ao contrário do que devaneia a pequena-burguesia socialista, que imagina em suas estreitas cabeças que democracia tem parentesco com justiça, com poder do proletariado e outras coisas. Não custa nada registrar sempre que democracia – qualquer democracia – implica e implicará exploração e opressão sobre o proletariado.

O tempo, pois, é de acumular forças revolucionárias nos campos da consciência e da organização no interior das camadas avançadas do proletariado, já que não há hoje – a não ser nos delírios de trotskistas, reformistas e gramscianos – condições de enraizamento da mensagem revolucionária no seio do proletariado em geral. Isso somente ocorrerá, e ocorrerá, naquele momento de aprofundamento da crise da dominação burguesa, no qual a ação criminosa combinada da mídia, das religiões e da escola burguesa terá perdido as condições materiais de legitimidade de continuarem a mistificar e alienar a massa dos trabalhadores, abrindo assim flancos à penetração da mensagem revolucionária.

É preciso, no entanto, ter firmemente presente nesta atual fase de acumulação de forças a natureza destas forças a serem acumuladas. É preciso aprender com a história. No período da ditadura 1964-85 a esquerda acumulou forças, sim. Mas forças ideológica e politicamente burguesas e pequeno-burguesas. Igualmente grave, no interior das instituições burguesas. Resultado final: a burguesia hegemonizou (para usar aqui uma palavra bem ao gosto dos reformistas gramscianos) a transição da ditadura à democracia. Portanto, uma das tarefas concretas a serem levadas a efeito pelos marxistas nesta conjuntura é a denúncia firme da democracia e das táticas e estratégias que colocam o alcance e o “fortalecimento” da democracia como objetivos da ação política. Isso somente prepararia mais uma vez o terreno para a repetição da história enquanto farsa. Persistir neste erro é, no mínimo, burrice. No máximo, aliar-se objetivamente à burguesia na legitimação e relegitimação do estado burguês.

Venceremos!

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